CRM antes de 1970

Fui desafiado a escrever sobre o CRM: plataforma de gerenciamento e relacionamento com os clientes. 

É um assunto relativamente batido e a sigla por si só já traduz o que é: Customer Relationship Management.

Ou, tradução ao pé da letra: Gerenciamento de Relacionamento com o Cliente.

Mas, vendo o termo, parece que é algo tão recente e revolucionário.

O termo até pode ser relativamente recente, mas, o que está por trás, vem de longa data.

Só foi aperfeiçoado.

Então vai aqui uma historinha das antigas, já com um conceito de CRM da época.

Me lembro que, quando criança, e isso já tem perto de 50 anos, nossa família fazia a chamada “compra do mês” em um Supermercado que já naquela época fazia o então “delivery”.

Quando precisava de algumas poucas coisas que acabavam rápido e não dava pra esperar a compra do mês, minha mãe costumava comprar no Armazém do Seu Laurindo, bem próximo de casa, alí no bairro de São Benedito.

Chamávamos o armazém de COMAPE. 

Até hoje não sei se o nome era algo relacionado à família, dona do lugar, ou se era sigla de alguma coisa ou se já era algo que pretendesse criar uma marca.

O armazém na verdade era uma pequena venda, conforme a foto abaixo, que mal cabiam duas pessoas, mas que era cheia dos mais variados itens.

Quem viveu esta época vai lembrar (com saudades até)…

O armazém vendia de tudo o que se imaginava.

De bolacha a fumo de corda, de gomos de linguiça a temperos, óleos e azeites.  Cigarros, cachaça (que meu velho gostava), Rodinhos, vassouras, doces, sacos de estopa e queijo duro, .. era um mundinho de coisas. 

O que era vendido por kg, era pesado em uma balança “analógica”, aquelas com um prato de cobre ou bronze e contrapeso. A precisão era incrivelmente duvidosa, mas que não gerava qualquer discussão.

Tudo era devidamente anotado em uma “cardeneta” (caderneta na verdade), à caneta e até a lápis. E, acreditem, não tinham rasuras ou marcas de apagadas.

Tudo era feito na base da confiança. No fio do bigode. 

Dificilmente erravam.

Isso era lá em Jaú, com o Seu Laurindo…

Às vezes minha mãe ia fazer a compra, às vezes ia meu pai ou meus irmãos mais velhos. 

Eu só pude ir um ou dois anos depois, quando atingi logo os 7 ou 8 anos…e já perambulava pela vizinhança com uma caixa de engraxate que meu pai me ajudou a fazer (na verdade foi ele quem fez). 

Sempre que minha mãe precisava, eu ia até à COMAPE (junto com alguém ou sozinho), principalmente por causa das bolachas de maisena que eu gostava.

O interessante dessas bolachas é que não vinham em embalagens fechadas.

Vinham dentro de uma lata grande (foto abaixo), igual a essas de tinta. 

Vendidas soltas, por porções que geralmente era uma ou mais “mão” do dono do armazém.

A gente torcia pra ele encher a mão. 

Pois é, ele pegava as bolachas com as mãos…sem qualquer proteção…E a gente comia assim.

Seu Laurindo as colocava em saquinhos de papel, pequenos. Até porque, não se compravam muitas.

Sempre pequenas porções.

Meus pais pediam apenas “uma mão” e “tá bão”…

Tudo era contadinho.

Geralmente eles também compravam alguns gomos de linguiça. Isso mesmo: gomos. 

Nem tudo se vendia por kg. No caso da linguiça, eles vendiam por gomos.

Me lembro que, em uma dessas compras junto com meu pai, a lista da minha mãe não tinha as bolachas que eu tanto gostava. 

Quando terminou a compra, o dono do armazém, Seu Laurindo puxou a “cardeneta”, virou pro meu pai e perguntou: “Arceu – meu pai se chamava Alceu, mas todo mundo trocava o “L” pelo “R”, até porque em Jaú forçamos o “R” – você não esqueceu nada?

Não vai levar as bolachas hoje”?

Por um momento meu pai hesitou. 

E Seu Laurindo continuou: “leva, o menino gosta, e já faz 15 dias da última vez que o Sr. Levou”. 

Então meu pai voltou e pegou a “mão” de bolacha. 

O dono do armazém (COMAPE), conhecia bem minha família.

Afinal, ele também tinha tudo anotado em sua “cardeneta”. 

E esta caderneta tinha o nome dos meus pais, o endereço (não tinha telefone porque isso era coisa rara) e  era onde ele fazia todo o controle pra saber o que cada “freguês” costumava comprar, quando comprava, quanto normalmente gastava, e se tinham pago ou não.

Vez ou outra ele perguntava aos seus clientes (mais amigos do que clientes), se não iam levar isso ou aquilo.

Afinal, ele tinha nas mãos (na caderneta) qual era o perfil dos seus clientes.

Tinha as informações que precisava e gerenciava isso com maestria.

É verdade que os tempos eram outros e que a ambição do Seu Laurindo talvez fosse apenas a de manter o negócio rodando e deixar um legado aos seus filhos.

Mais do que patrimônios, talvez seu maior legado tenha sido a forma como conhecia e tratava seus clientes, o que gerou uma forte relação de confiança entre eles e que, por consequência, fidelizava estes clientes.

Por isso que eu disse no início que desde muito antes já se fazia CRM como poucos, com quase nenhuma ferramenta ou com ferramentas simples.

Sem dúvida hoje chegamos a um modelo de CRM muito melhor estruturado, dinâmico e eficiente, que não se compara ao antigo modelo.
Mas, o antigo conceito nos trouxe ao momento e nos ensina o que significa fazer relacionamento.

Mais do que ferramentas, a informação e os exemplos estão disponíveis.

Saber usá-los de forma eficiente, compartilhada e com maestria é o desafio a ser superado.

Gerson A. Marconi